terça-feira, 11 de setembro de 2012

Apresentação

V Colóquio Internacional Sul de Literatura Comparada

Fazeres Indisciplinados

JUSTIFICATIVA DO TEMA

A expressão Fazeres indisciplinados traz em si duas ideias muito caras à Literatura Comparada. De um lado, o adjetivo “indisciplinado”, foi prontamente adotado pelos estudiosos comparatistas que, invertendo sua significação originalmente negativa, o transformaram em um termo que definiria de forma bastante precisa a inquietação que sempre acompanhou as questões teóricas e metodológicas da área. Assim, longe de ser tomado como algo pejorativo, o traço de “indisciplina” da Literatura Comparada indica não só uma insatisfação com conceitos e propostas estagnadas dentro dos seus limites de atuação como também uma busca incessante por interações e diálogos com outras áreas, limítrofes ou distantes.

Se a “indisciplina” pode ser vista como uma das marcas do pensamento comparatista, ela igualmente orienta as práticas que resultam desse pensamento, guiando o pesquisador, o professor, o estudioso de Literatura Comparada em seus fazeres. A indisciplina fez com que o comparatismo ressaltasse a importância das trocas simbólicas realizadas entre textos e autores de culturas e países distintos quando os estudos literários impregnavam-se de um nacionalismo redutor. A indisciplina direcionou a atenção do comparatismo para a tessitura da obra e as relações intertextuais quando os olhares voltavam-se obsessivamente para as leituras que comprovariam as influências de determinado escritor. A indisciplina revelou ao comparatismo o papel crucial que as demais artes e áreas do conhecimento desempenham nas obras quando os estudiosos sustentavam que apenas a literatura bastava para compreender a literatura.

Muito embora o questionamento constante sobre o próprio pensar e fazer tenha marcado, desde o início, a história da Literatura Comparada, hoje novas perguntas se impõem: Qual o seu papel dentro e fora da esfera acadêmica? Que importância possuem as obras literárias e a crítica comparatista no mundo contemporâneo? Como pensar e como agir nessa nova realidade, marcada pela interatividade, simultaneidade e virtualidade? O século XXI trouxe um novo cenário e uma nova ordem de relacionamentos que ainda buscamos compreender. E no esforço do ser humano para compreender a si e aquilo que o rodeia, a crítica comparatista desempenha um relevante papel, do qual não pode se furtar. Sempre voltada ao outro, sempre valorizando a heterogeneidade, sempre superando e questionando fronteiras, a Literatura Comparada deve, mais do que nunca, manter-se “indisciplinada” na sua teoria e na sua prática, observando a partir de ângulos inusitados, propondo leituras inovadoras, sugerindo aproximações inquietantes, transpondo os limites do óbvio e, acima de tudo, questionando o seu papel na cena contemporânea.

SUBTEMAS

1) Ficções de alteridades

Possibilitar o contato com o Outro, o conhecimento de povos, culturas e visões de mundo que estão além das fronteiras que delimitam nosso espaço político e simbólico; se a literatura possui alguma razão de ser, essa certamente tem sido uma delas. É fato que a relação com o estranho, com o estrangeiro, com o diferente sempre foi complexa, mas o século XXI trouxe elementos que, se dúvida, problematiza ainda mais esse cenário. A mundialização da cultura e o imediatismo oferecido pelas novas ferramentas de comunicação ampliaram infinitamente nossos horizontes, multiplicaram as alteridades e, curiosamente, trouxeram o outro para mais perto de nós. Porém, na mesma medida, a contemporaneidade também se fecha ao alheio, em movimentos menos propensos a aceitar as diferenças, estejam ela próximas ou distantes. Diante desse quadro, o comparatismo, que tem a abertura ao outro como um de seus paradigmas centrais, assume uma importância crucial para discutir as configurações estéticas desse outro na literatura e no consequente reflexo que estas construções têm na construção do imaginário acerca da alteridade. Tal discussão é o que propõe este eixo temático.

2) Comparatismo e práticas de ensino

Consolidada já há 25 anos como disciplina acadêmica no âmbito brasileiro, a Literatura Comparada tem sido, ao longo desse tempo, placo de importantes e produtivas discussões, não apenas sobre a literatura, mas também sobre produtos e manifestações culturais. Contudo, se a pesquisa e a atividade crítica colocaram o Brasil no mapa do comparatismo mundial, o retorno dessa produção para a atividade pedagógica não é assim tão notório. Como as leituras comparatistas podem contribuir para uma compreensão renovada e crítica da literatura nos bancos escolares? Qual o papel dessa disciplina na formação dos nossos estudantes de graduação e pós-graduação, que se preparam para tornarem-se também professores? Que práticas teórico-metodológicas podem resultar de uma abordagem comparada? Essas são algumas das questões que o presente tópico busca formular.

3) Tradução e mediação cultural

Não se trata mais de uma questão apenas teórica ou facilmente definida como apátrida: o fazer tradutório, no Brasil, cresceu enorme e repentinamente no século XXI, levantando uma série de questões importantes para a Literatura Comparada, como a definição de literatura e de cânone mundial; o status (ou não) da literatura como valor universal; como nós vemos o outro; e que outro escolhemos ver/traduzir. Uma questão recorrente ganha nova força com a maior visibilidade conquistada pela profissão de tradutor: a tradução de obras literárias é literatura? E assim sendo, pertence ao sistema literário nacional? Tendo, em seus estudos, a literatura do outro como um dos objetos principais de investigação, o fazer comparatista sempre esteve muito próximo das questões envolvidas no ato de traduzir. As relações entre a Literatura Comparada e os Estudos de Tradução, contudo, são bastante complexas e o diálogo entre as duas áreas, por vezes, é permeado por polêmicas. Sem deixar de olhar, de forma crítica, para o histórico dessa relação, este eixo temático propõe uma discussão do papel da tradução nos estudos comparados desenvolvidos no contexto multicultural e globalizado do século XXI, e problematizar conceitos carregados de ideologia e promessa, como Weltliteratur, world literature e république mondiale des lettres.

4) Trânsitos e intercâmbios disciplinares

A troca de saberes e o diálogo teórico-metodológico entre os estudos literários e as demais áreas do conhecimento são, há muito tempo, marcas importantes dos estudos comparados. Muito antes de a interdisciplinaridade se tornar um jargão, usado às vezes de forma gratuita, nos discursos acadêmicos e escolares, a Literatura Comparada, com um toque de indisciplina, lançou seu olhar para além dos muros da especialidade e buscou, nas áreas vizinhas, suporte para melhor compreender e abordar seu próprio objeto. Mas, diante de uma certa banalização e superficialidade no uso do termo, a interdisciplinaridade propõe hoje, para a Literatura Comparada, o desafio de aprofundar o intercâmbio entre as disciplinas, estabelecendo entre elas um trânsito de mão dupla, que vá além da mera verificação de ecos e sombras, e possibilite, a partir do entrecruzamento de uma obra literária com determinada manifestação, seja ela artística ou científica, abordar de modo mais amplo questões éticas, estéticas e epistemológicas acerca dos nossos fazeres e saberes, retornando ao literário em processo de enriquecimento, complexificação e intensidade.

5) Olhares e leituras sobre a imagem

Que pontos de convergência e de divergência podem ser estabelecidos entre os atos de olhar e de ler? Se a leitura do crítico é, muitas vezes, tida como um “olhar” mais detido em relação a um ou mais textos literários, a partir da lente oferecida por teorias específicas, a imagem, estática ou em movimento, se oferece ao espectador uma possibilidade de “leitura” de questões profundas levantadas por uma pintura, uma fotografia, um filme, etc., que, pelo viés da crítica, se aproximam e se distanciam da literatura. Podem manifestações estéticas tão peculiares e singulares serem aproximadas pelo elemento unificador do olhar? As ideias do texto como produtor de imagens, a serem analisadas pelo crítico, e das artes da imagem como geradoras de um texto, a ser interpretado, seriam possibilidades metodológicas enriquecedoras? O que, por exemplo, a teoria das artes visuais, teatro ou cinema, ou a teoria dos media, pode colocar em funcionamento no processo na relação com os textos? Essas, dentre outras questões, orientam as discussões propostas por esse eixo temático.

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